No mais recente livro de Carlos Moraes, o ótimo, Agora
Deus vai te pegar lá fora, há um trecho em que uma mulher ouve a
seguinte pergunta de um major: "Por que você não é feliz como todo
mundo?". A que ela responde mais ou menos assim: "Como o senhor ousa
dizer que não sou feliz? O que o senhor sabe do que eu digo para o meu
marido depois do amor? E do que eu sinto quando ouço Vivaldi?E do que eu
rio com meu filho? E por que mundos viajo quando leio Murilo Mendes? A
sua felicidade, que eu respeito, não é minha, major".
E assim é. Temos a pretensão de decretar quem é feliz ou infeliz de
acordo com nossa ótica particular, como se felicidade fosse algo que
pudesse ser visualizado. Somos apresentados a alguém com olheiras
profundas e imediatamente passamos a lamentar suas prováveis noites
insones causadas por problemas tortuosos. Ou alguém faz uma queixa
infantil da esposa e rapidamente decretamos que é um fracassado no amor,
que seu casamento deve ser um inferno, pobre sujeito. É nessas horas
que junto as pontas dos cinco dedos da mão e sacudo-a no ar, feito uma
italiana indignada: mas que sabemos nós da vida dos outros, catzo?
Nossos momentos felizes se dão, quase todos, na intimidade, quando
ninguém está nos vendo. O barulho da chave da porta, de madrugada,
trazendo um adolescente de volta pra casa. O cálice de vinho oferecido
por uma amiga com quem acabamos de fazer as pazes. Sentar no cinema,
sozinha, para assistir o filme tão esperado. Depois de anos com o
coração em marcha lenta, rever um ex-amor e descobrir que ainda é capaz
de sentir palpitações. Os acordos secretos que temos com com filhos,
netos, amigos. A emoção provocada por uma frase de um livro. A
felicidade de uma cura. E a infelicidade aceita como parte do jogo -
ninguém é tão feliz quanto aquele que lida bem com suas precariedades.
O que sei eu sobre aquele que parece radiante e aquela outra que parece à
beira do suicídio? Eles podem parecer o que for e eu seguirei sem saber
de nada, sem saber de onde eles extraem prazer e dor, como administram
seus azedumes e seus êxtases, e muito menos por quanto anda a cotação de
felicidade em suas vidas. Costumamos julgar roupas, comportamento,
caráter - juízes indefectíveis que somos da vida alheia-, mas é um
atrevimento nos outorgarmos o direito de reconhecer, apenas pelas
aparências, quem sofre e quem está em paz.
A sua felicidade não é a minha, e a minha não é a de ninguém. Não se
sabe nunca o que emociona intimamente uma pessoa, a que ela recorre para
conquistar serenidade, em quais pensamentos se ampara quando quer
descansar do mundo, o quanto de energia coloca no que faz, e no que ela é
capaz de desfazer para manter-se sã. Toda felicidade é construída por
emoções secretas. Podem até comentar sobre nós, mas nos capturar, só se
permitirmos.
Martha Medeiros
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